domingo, 4 de janeiro de 2009

SANTA GERTRUDES DE HELFTA (1256-1302)

Santa Gertrudes de Helfta foi monja cisterciense e escritora mística, também conhecida como Gertrudes a Grande, ou Gertrudes a Magna. Das origens de Gertrudes de Helfta só se conhece a data de nascimento: 6 de janeiro de 1256. O lugar parece ter sido Eisleben, e a familia é um enigma. O silêncio a respeito resultou suspeito, e se há elaborado conjecturas como a procedência servil ou pobre; haver sido abandonada; ou ser filha ilegítima de algum nobre. O que é seguro é que em sua familia existiam circunstâncias que na época não era adequado mencionar.

Com a idade de 5 anos ingressou no monasterio de Helfta. Sobre isto tão pouco hão ficado noticias, desconhecendo-se como chegou e se foi acolhida exclusivamente como educanda, para ser formada na escola de meninas a cargo de Matilde de Hackeborn; ou como oblata, oferecida a Deus para converter-se em monja.

Gertrudes iniciou sua aprendizagem monástica. Realizou o noviciado, professou e recebeu uma cuidada formação teológica, filosófica, literaria e musical. Sua vida foi normal até os 25 anos, como uma monja a mais do monastério, dedicada à copia de manuscritos, a costura e aos labores agrícolas da horta monastica. Não desempenhou cargos importantes, ou ao menos só se conhece que foi cantora segundo às ordens de Matilde de Hackeborn.

Em 27 de janeiro de 1281 teve sua primeira experiencia mística, que suporía uma profunda mudança em sua vida. Se tratou de uma visão de Cristo adolescente, que lhe dizia: "Não temas, te salvarei, te livrarei... Volve-te a mim e eu te embriagarei com a torrente de meu divino regalo". A partir disto deixou os estudos profanos e de literatura pelos estudos teológicos; e sua existência passou de ser rotineira a viver uma profunda experiencia mística.

Gertrudes viverá uma intensa vida mística em meio a vida comunitaria. Muitas vezes sofreu enfermidades, porém isto não a incapacitou para dedicar-se a escrever diversas obras literárias entre as que se encontravam comentarios à Sagrada Escritura. Se perderam quase todas as suas obras, conservando-se só três.

Memorial da abundancia da divina suavidade. Tem 24 capítulos. O gênero é semelhante às Confissões de Santo Agostinho. Recolhe a experiencia mística de Gertrudes desde sua conversão até o ano 1190.

Dos materiais soltos escritos ou ditados por Gertrudes, assim como os recolhidos pelas monjas contemporaneas, surgiu a segunda obra. A autora que os ordenou permanece no anonimato, e se chama a si mesma "redatora" (redactrix). A compilação se terminou pouco antes de morrer Gertrudes. Consta de cinco livros. O primeiro é um panegírico da pessoa e atividade de Gertrudes de Helfta, obra da redatora. O segundo incorpora o Memorial exclusivamente. Os livros terceiro, quarto e quinto recolhem os materiais de diversa procedência, que relatam as experiencias místicas de Gertrudes em torno às festas litúrgicas, assim como as revelações recebidas sobre a morte e gloria de pessoas de sua volta.

Livro de orações composto integralmente por Gertrudes. A finalidade é reavivar o fervor religioso mediante a reflexão. São 7 exercicios, que respondem aos momentos mais importantes da vida de uma monja: batismo, conversão, consagração virginal, profissão monástica, louvor divino e morte, entendida como encontro com o divino Esposo.

Toda a obra de Gertrudes se organiza em torno à vida monástica, cujo centro é a Liturgia das Horas, a Eucaristia e a Lectio Divina. Sua espiritualidade é de caráter cristocêntrico, destacando especialmente a imagem do Coração de Jesus, símbolo do amor divino. Suas obras, junto com a de Matilde de Hackeborn, são um dos testemunhos mais antigos desta devoção. A presença da Virgem Maria também é importante, porém sua mariologia se integra por completo em sua cristologia.

A respeito das virtudes, têm uma visão otimista e positiva, em chave de acolhida da graça divina e de progressiva união com Cristo, mais que como uma luta contra os vicios e as paixões. Junto a isto desenvolve a ideia da suplência de Cristo, pela qual o amor de Jesus lhe leva a suprir e sanar com seus méritos e virtudes a insuficiência do homem para salvar-se.

Tudo isso entrega ao homem a liberdade de coração. Talvez este seja o ponto que mais chamou a atenção aos seus leitores. Gertrudes se sente soberanamente livre confiando plenamente no amor e na misericordia de Cristo. Isso a fez ser otimista e intrépida, manifestándo-o por exemplo em sua prática de comungar sempre que podia, algo impensavel para seu tempo, pelas orações, jejuns e exercicios necessários para preparar-se. A suplência de Cristo sanava os esquecimentos a este respeito.

Seus escritos e espiritualidade passaram desapercebidos até 1536 em que os cartuxos de Colonia imprimem o Memorial. A aceitação e êxito foi enorme, e se produziu toda uma corrente espiritual em torno a ela que se traduziu em reedições contínuas de seus escritos e numerosas biografias. Por tal êxito, e ao desconhecer o apelido, começou a ser chamada Gertrudes a Grande, ou a Magna.
Gertrudes morreu em 17 de novembro de 1302, em Helfta, aos 45 anos de idade.

PENSAMENTOS DE SANTA GERTRUDES DE HELFTA

"Ó Amor, o ardor de tua divindade abriu-me o Coração dulcíssimo de Jesus! Ó Coração do qual mana toda doçura. Ó Coração transbordante de ternura. Ó Coração repleto de caridade!"

"Beber desta fonte salvadora significa restituir a si a própria verdade, ofuscada pelo pecado, para recuperar a luminosidade da inteligência e do amor originais. Quem faz tal experiência reencontra o próprio coração, recriado no amor de Deus"

"Ó Amor, mergulha meu espírito nas águas deste Coração melífluo, sepultando nas profundezas da divina misericórdia todo o peso da minha iniqüidade e da minha negligência. Restitui-me, em Cristo, uma inteligência luminosa e um afeto puro, para que – através de ti – eu possa ter um coração imune, desembaraçado e livre".

"Ó Senhor, desejo louvar-te e agradecer-te porque, apesar da minha indignidade, mantiveste tua transbordante ternura para comigo. Quero ainda louvar-te porque alguns, ao ler estas páginas, poderão saborear na intimidade de seu ser as mais elevadas experiências. De fato, por meio do alfabeto, alcançam a ciência da filosofia aqueles que querem estudar; similarmente, por meio de sinais que, na verdade, são apenas figuras retratadas, os leitores destas páginas aprenderão a degustar dentro de si mesmos aquele maná escondido que não poderia ser associado a nenhuma mistura de imagens corpóreas, e de cujo sabor somente quem já experimentou sentirá fome".

"Naquela mesma hora, quando minha memória ainda se ocupava devotamente com tais pensamentos, senti que me estava sendo divinamente concedido – a mim, tão indigna que sou – aquilo mesmo que havia pedido na oração, isto é: no interior de meu coração, como sendo um lugar corpóreo, eu soube que tinham sido impressos os sinais de tuas santíssimas chagas, dignas de respeito e adoração".

"Deus onipotente e Mestre generoso de todo bem, digna-te garantir-nos sempre este alimento enquanto caminhamos em nosso exílio, na espera de que – contemplando com rosto descoberto a glória do Cristo – sejamos transformados à sua própria imagem, de luz em luz, como sob suavíssimo sopro".

"Durante uma pregação feita na capela por um frade, este dizia: 'O amor é um dardo de ouro. Se o homem o lança sobre qualquer outra pessoa, ele a possui de algum modo. Seria, pois, loucura usar o amor para os bens terrestres, mas negligenciar os bens celestes'. Inflamada por tais palavras, Gertrudes disse ao Senhor: 'Que me seja condedido este dardo! Então, sem esperar um segundo, eu me esforçaria para vos transpassar com ele, a Vós, único bem-amado de minha alma, para ter-vos sempre comigo'. Ela ainda pronunciava tais palavras, quando viu o Senhor que a mirava com uma flecha áurea e lhe dizia: 'Tu planejas ferir-me, caso possuísses uma flecha de ouro. Mas eis que sou eu quem a tenho! Desejo com ela transpassar-te de tal modo, que jamais poderás sarar'".

"E era uma flecha com três curvaturas: no início, no meio e na extremidade. Assim se mostrava o tríplice efeito que esta flecha provocava na alma ferida. Quando a primeira curvatura penetra na alma, sua ferida a torna semelhante a um enfermo, que sente somente desgosto pelos bens passageiros: não há coisa alguma neste mundo que lhe assegure prazer nem consolação. A segunda, ao penetrar na alma, a faz parecer uma pessoa com alta febre que, exasperada pela dor, reclama pelo remédio com extrema impaciência. Assim é a alma nesta situação: o desejo que possui é tão intenso que, sem conseguir dominá-lo nem moderá-lo, arde por unir-se a Deus. E quando isto lhe parece impossível, se acaso ela não o experimenta, chega quase a perder o respiro. A terceira curvatura, enfim, quando penetra na alma, a faz elevar-se a uma altura tão sublime que nenhum de nós pode imaginar. A tal ponto, que uma mínima descrição deste estado nos faria dizer que a alma – como se fosse separada de seu corpo – estivesse toda mergulhada em delícias, nas torrentes do néctar da divindade".

"Ó Fogo verdadeiro que tudo consome! Ó Fogo operante, cujo poder queima os vícios para manifestar à alma o suave vigor de tua unção! Só em ti nos é dada a força que restaura, re-fomando nosso ser segundo a imagem e semelhança original".

"Eu recitava esta prece: 'Pelo vosso Coração transpassado, ó Senhor amantíssimo, dignai-vos transpassar meu coração com os dardos de vosso amor, para que nada de terrestre nele pemaneça e que ele seja repleto unicamente da virtude de vossa divindade'. Tendo assim rezado, bem depressa percebi – através de uma graça interior e de um sinal externo que vi surgir sobre o crucifixo – que minha prece havia chegado ao vosso Coração. Com efeito, depois de receber o sacramento da vida, já de volta ao meu lugar, pareceu-me ver partir do lado direito do crucifixo que está impresso sobre meu livro algo como um raio de sol, cuja extremidade tinha forma de uma flecha. Este raio emanava vigorosamente em minha direção. Conteve-se por um instante, depois se lançou novamente e permaneceu fixo, atraindo toda a minha afeição".

"Ainda que sabia eu que me achava no dormitorio, me parecia que me encontrava no lugar do coro aonde costumava fazer minhas tibias orações e ouvi estas palavras 'eu te salvarei e te livrarei. Não Temas'. Quando o Senhor disse isto, extendeu sua mão mão fina e delicada até tocar a minha, como para confirmar sua promessa e proseguiu: 'Has mordido o pó com meus inimigos e has tratado de extrair mel dos espinhos. Volve-te agora a Mim, e minhas delicias divinas serão para ti como vinho'".

"Então vi na mão que pouco antes se me havía dado como prenda, as joias radiantes que anularam a pena de morte que havia sobre nós".

MARGARIDA PORETE (1250-1310)

Margarida de Hainault, conhecida como "Porete", nascida em 1250, em Valenciennes e queimada viva, numa segunda-feira, 1º de Junho de 1310, no lugar de Grève, em Paris.

Margarida foi uma Beguina. Ela foi influenciada pelos escritos do Pseudo-Dionísio. Ela escreveu sua grande obra O Espelho das Almas Simples, apresentando a teologia negativa do Peudo-Dionisio, como um diálogo em que apresentava o Amor da Alma tocada por Deus, e fazia falar o Amor e a Razão em diálogos alegóricos. Margarida orientou toda a pulsão do fino amor cortês para o Nada, de Deus, de si e do mundo, numa transmutação da lírica erótica no erotismo místico. Para Porete, não há imagem divina estereotipada, pois qualquer tentativa de definir Deus utiliza de uma forma de linguagem para traduzir o intraduzível. Distinguindo três níveis ou graus na via e na vida espiritual, os dos “ativos”, “contemplativos” e “aniquilados”, Margarida concebe todo o processo de realização de si como um processo de “aniquilamento”. A alma deve passar por três mortes: primeiro a do “pecado”, da qual nasce a “vida da graça”; depois a da “natureza”, da qual nasce a “vida do espírito”; finalmente a do próprio “espírito”, pela qual passa a viver "da vida divina". O aniquilamento faculta a plenitude de uma Vida divina. Como diz Margarida, indicando as fases do processo, a alma passa das “Virtudes” ao “Amor”, do Amor” ao “Nada” e do “Nada” à “Omniclaridade de Deus”. Aí, está a tal ponto “reposta” em Deus que não se vê nem a si nem a ele, o que faz com que Deus seja devolvido à liberdade e plenitude do seu ser e visão solitários, anteriores ao surgimento da alma, o que só é possível mediante a livre entrega desta. Nada há agora senão Deus. Essa reunificação divina é ainda, num sentido, uma experiência da alma e o “estado mais nobre” que ela pode conhecer na sua existência terrena, havendo outro, o “sétimo” estado, o “Paraíso”, “perfeito sem falha”. Nele é Deus que age nas almas sem elas. Em Margarida Porete, a divinização da alma não só lhe permite ver Deus em todas as coisas, mas ser ainda todas elas, encontrar-se por “todo o lado”, numa infinitização também extensiva. Em sua reflexão, a beguina transfere para a linguagem vernacular uma experiência de Deus concebido não na ordem do poder, mas na ordem do amor/cortesia/caridade.

A mística escreveu o livro "O Espelho das Almas Simples e Aniquiladas". Escrito por volta do ano 1290, o livro retrata o percurso místico até a união com Deus a partir da linguagem da literatura do amor cortês, em forma de diálogo entre a Dama Amor, a Alma Aniquilada e a Razão. Na época, os exemplares encontrados foram apreendidos e queimados e Porete foi advertida sob a pena de ser presa. Como a religiosa não obedeceu às ordens, foi encarcerada em 1309 e, por um ano e meio, se recusou a colaborar com os inquisidores. Quinze artigos do livro foram retirados de seu contexto original e entregues para 21 teólogos da Universidade de Paris para avaliação. O livro foi queimado em 1306, e condenado de novo em París em 1309. Margarida Porete foi condenada pela Inquisição em 31 de maio de 1310.

Em 1º de junho de 1310, Porete foi condenada e queimada em praça pública, em Paris, como herege relapsa, pois havia sido avisada de que a Igreja não estava de acordo com suas idéias.

PENSAMENTOS DE MARGARIDA PORETE

"Amor me faz, por nobreza,
encontrar esses versos de canção.
Aconteceu pela pura Divindade,
da qual Razão não sabe falar,
e por um amigo que eu tenho, sem mãe,
saído porém de Deus Pai e também de Deus Filho.
Tem nome Espírito Santo,
e estou-lhe tanto unida no coração,
que me faz viver na alegria.
É o país do nutrimento
Que o amigo dá se o se ama".

"De maneira que não posso ser o que devo ser até que seja de novo aí onde fui, neste ponto onde me encontrava, antes que saísse dele, tão nua como é aquele que é, tão nua como eu era quando era aquela que não era. Eis o que me é necessário obter, sequer o recuperar a posse do que é meu, sem o que não terei absolutamente nada".

"A obra é coisa de Deus que a opera em mim. Eu não lhe devo obra alguma, posto que é Ele mesmo quem a opera em mim. Se pusera algo meu, prejudicaria sua obra".

"É necessário que esta alma seja semelhante a divindade, pois ela é transformada em Deus, pelo que se mantém sua forma verdadeira, que lhe é concedida e dada sem começo unicamente por aquele que lhe há amado sempre em sua bondade".

"Oh Amado, Tu me tens possuído em teu amor, para dar-me teu grande tesouro, que é dar-te a ti mesmo, Tu, a divina bondade. E se o coração não pode dize-lo, um puro nada-querer o adivinha, Ele, que tão alto me tem feito subir, com uma união de coração a coração que jamais devo revelar".

"Eu disse: o amarei;
minto, eu não estou!
Ele é o único que me ama:
Ele é, eu não sou!
E já nada me importa,
senão tudo o que Ele quer,
senão tudo o que Ele vale,
Ele é em plenitude:
dEle recebo plenitude;
este é o divino coração
e nossos amores leais"

"Oh, muito preciosa Ester, vós que tendes perdido todo exercício, e cujo exercício, por esta perda, é não fazer nada, sim, vós sois verdadeiramente preciosa! Pois, em verdade, este exercício e esta perda se fazem no nada de vosso Amado, e neste nada desfaleceis e permaneceis morta, enquanto que viveis, amada, totalmente em seu querer: aquela é sua habitação, e ali é onde lhe agrada residir".

“Quem serve, não é livre;
Quem sente, não está morto;
Quem deseja, quer;
Quem quer, mendiga;
Quem mendiga, falta
Ao divino contentamento”.

“Pensar já nada vale aqui,
Nem agir, nem falar.
Amor me arrasta tão acima
- pensar já nada vale aqui –
Por seus divinos olhares,
Que não tenho nenhum desejo.
Pensar já nada vale aqui,
Nem agir, nem falar”.